Quando as balas não são de festim: greve, polícia e um tanto de burocracia na Bahia.

Video produzido pela DigitalTvBr na última greve da PM
Diego Carvalho Corrêa[1]

Recentemente a Bahia passou por uma greve da Polícia Militar amplamente divulgava por diversos setores da mídia que dividiam momentos de repúdio e apoio ao movimento.  A greve novamente trouxe a tona debates sobre a função da polícia militar e os direitos que os sujeitos policiais devem ou não ter e, mais uma vez, em um curto espaço de texto, propomos questões sobre um tema. Neste escrito trataremos de greves policiais na Bahia, por hora abrindo mão do que seria especifico neste movimento em Feira de Santana[2].
A primeira greve da policia vivida por muitos de nós na Bahia, ocorreu em 2001, segurada até este ano desde 1997 quando o ex-governador do Estado, Paulo Souto, se adiantou a generalização possível de uma greve em vários estados do país, editando leis que aumentariam os salários dos policiais militares e civis.
Na Bahia, o então governador Paulo Souto, para evitar a greve, editou duas leis concedendo aumento salarial para as Polícias Militar e Civil, escalonado em 5 níveis (GAP I, II, III, IV, V). Apesar da imperatividade das referidas normas jurídicas, o governador deixou de cumprir partes importantes da lei, o que gerou a revolta de julho de 2001. [3]
Não se cumprindo as promessas de Paulo Souto, policiais decidiram pela greve no ano de 2001, sendo que seu sucessor, Cesar Borges, membro do mesmo partido o (PFL - Partido da Frente Liberal), teria nas mãos a missão de administra-la. Os policiais reivindicavam um aumento de 100% no parco salário de R$600,00., melhores condições de trabalho e melhor tratamento a categoria.
As contendas se acirraram em 2001 quando as baixas hierarquias das organizações militares se rebelaram contra suas condições, situação não incomum haja vista os vários registros de rebeliões militares no país, ou mesmo rebeliões populares em que houve participação de sujeitos pertencentes a corporações deste tipo. Novamente uma greve levava alguns setores sociais a pensar as funções desenvolvidas pela polícia colocando diversos grupos em oposição quanto à consideração do tema.
A época, Jaques Wagner, ainda deputado estadual, foi um dos grandes apoiadores da agitação. O Partido dos Trabalhadores (PT) reconheceu como legítima as reinvindicações dos policiais considerando-os trabalhadores como qualquer outro e, mesmo que com especificidades, deveria ser garantido a estes o direito de manifestação e greve, discussão retomada atualmente por outros partidos, como o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU) a partir da greve dos Bombeiros no Rio de Janeiro-RJ em 2011.
Na trajetória de grupos militares no país, seja polícia ou forças armadas[4], tiveram como função a repressão do Estado, fosse a qualquer época ou lugar, resguardavam o poder que se instituía e se institui também a partir de sua força, exerciam o monopólio da violência assegurando um ou mais grupos no poder, numa monarquia o poder do rei e sua corte nobre, no capitalismo, a manutenção do regime de governo estabelecido e a classe dominante, neste caso a burguesia.
O Estado foi organizado como um mecanismo operacionalizado por um grupo para manutenção de uma ordem ou relação de poder, em que o operador se sobrepõe ao sujeito que será explorado. O aparato de força foi o primeiro elemento para manutenção de uma ordem e é ainda fator de estabelecimento e manutenção dela. Com o desenvolvimento histórico e consequente transformações no Estado, outros elementos se tronaram fatores fundamentais para a afirmação de seu controle, como a burocracia e, principalmente na modernidade ocidental a partir do século XX, a direção intelectual e moral da sociedade. Segundo Gramsci:
Tarefa educativa do Estado, cujo fim é sempre o de criar novos e mais elevados tipos de civilização, de adequar a “civilização” e a moralidade das mais amplas massas populares às necessidades do continuo desenvolvimento do aparelho econômico de produção e, portanto, de elaborar também fisicamente tipos novos de humanidade.  [5]
Os militares historicamente desenvolveram este papel negativo[6] que seguramente é da manutenção de um grupo no poder, mesmo com a modificação do grupo, estes sujeitos foram e são fundamentais para tal. No Brasil o período recente mais tenso entre movimentos de trabalhadores e militares se deu entre 1964 e 1984[7], regime que a presidência do país foi assumida por militares através de um golpe e eleições indiretas. Os movimentos sociais ficaram marcados pelas ações violentas dos militares contra suas organizações, o que ainda é ainda é sensivelmente percebido entre militantes de movimentos sociais já que consideram que vivem sob a égide do mesmo Estado em um regime de governo diferente.
Essa marca histórica colocou a maior parte dos movimentos sociais nacionais em situação de desconforto com as PMs, gerando uma resistência forte ao reconhecimento do movimento grevista dos policiais como um movimento de trabalhadores. As identidades no trabalho se equivalem com qualquer outro pela condição geral de exploração, por outro lado o conflito de rua com policiais os colocaram historicamente em lados opostos na luta dos trabalhadores em geral, tendo em 2012 manifestações de identidade dos setores de baixo escalão militar enquanto trabalhadores explorados. Na greve de 2012 vimos organizações sindicais se posicionarem a favor destes trabalhadores, exemplo da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Coordenação Nacional de Lutas (CONLUTAS),
No que refere ao governo do Estado da Bahia, mesmo com a direção de outros sujeitos em ralação a 2001, não houve muita habilidade para lidar com o momento. Prevaleceu no início do movimento uma posição do governador Jaques Wagner de negociação perante o fim da greve e o uso do argumento da ilegalidade do movimento. O argumento baseava-se na Constituição Brasileira de 1988 que proíbe o militar de sindicalizar-se e participar de greve, “Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve”, diz o inciso 4 do artigo 142 da Carta, em trecho incluído em 1998”[8]. Setores da administração do Estado e oficiais militares acusaram os policias de motim e rebelião, já que a greve é proibida[9], tendo como consequência a prisão e a responsabilização de lideres da greve. A tensão havia aumentado devido às acusações de porte de arma dos policiais em greve e de incitação à violência na comunidade, os policias se tornaram suspeitos de pararem ônibus, dispararem armas de fogo, ameaças, dentre outras. O governo do Estado autorizou a publicação de gravações de escuta telefônicas onde um dos dirigentes do movimento, o ex-policial Marco Prisco[10] e David, conversavam sobre ações violentas que possivelmente causariam pânico na cidade de Salvador.
(...) "Eu vou queimar viatura... eu vou queimar duas carretas agora na Rio-Bahia, que não vai dar tempo...", diz David. "Fecha a BR, fecha a BR aí, meu irmão", responde Prisco. Durante a greve, um ônibus escolar foi queimado em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador. Motoqueiros armados retiraram os alunos e atearam fogo em seguida. Ninguém ficou ferido. Viaturas também tiveram os pneus furados. [11]
As escutas permitiram ao governo do Estado, apelando para o moral que regula o que é bom ou ruim, o convencimento tanto de uma parte da população nacional, já que foi publicado nesta escala. Com o afrouxamento da tensão por parte dos militares, o que deixou explicito a necessidade de usar o convencimento, a produção de uma opinião pública como mecanismo político preponderante, surgiu à possibilidade do não uso de um confronto entre militares como estratégia de suspensão da greve.
Em comum entre as greves são a percepções de uma desvalorização do trabalho, perdas trabalhistas, e uma emergência cada vez maior de uma identificação dos policiais com outros sujeitos trabalhadores, o que por sua vez coloca os dirigentes do Estado em uma situação peculiar, pois enfrenta o seu braço armado. Ao mesmo tempo observamos um avanço nas tensões entre governo do Estado e funcionários públicos, com caráter semelhante de precarização do lugar de exercícios das profissões e de desvalorização com uma série de perdas, por outro lado, pouco se vê de horizonte para uma manifestação coletiva de diversos setores na Bahia.


[1] Pesquisador do Laboratório de História e Memória da Esquerda e Lutas Sociais/Labelu/UEFS.
[2] Este é o primeiro texto que não trata especificamente do tema de Feira de Santana, opção feita pela notoriedade da greve policial na Bahia.
[3] ASSIS, João Carlos Santos de. REVOLTA EM FEIRA DE SANTANA: A greve da Polícia Militar da Bahia ocorrida em julho de 2001.  Feira da Santana, UEFS, 2011. (Monografia de conclusão de curso). Aqui a grande referência do texto é esse estudo supracitado de Assis.
[4] As polícias militares são consideradas forças auxiliares das Forças Armadas.
[5] GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere.  Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Rio de janeiro, 2000, Vol.3 p. 23.
[6] Negativo no sentido do exercício de uma capacidade que causa efeitos sobre sujeitos de forma negativa, negando algo, neste caso nega-se um tipo de comportamento pela força violenta e física.
[7] Período da ditadura civil/militar.
[8] Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello In: http://www.rondonoticias.com.br. Visto em 09/02/2012.
[9] No Código Penal Militar: “Motim: reunirem-se militares ou assemelhados (...) pena- reclusão de quatro a oito anos, com o aumento de um terço para os cabeças. Revolta: se os agentes estavam armados; pena- reclusão de oito a vinte anos, com aumento de um terço para os cabeças.” ASSIS, João Carlos Santos de. REVOLTA EM FEIRA DE SANTANA: A greve da Polícia Militar da Bahia ocorrida em julho de 2001.  Feira da Santana, UEFS, 2011. (Monografia de conclusão de curso). P. 33.
[10] Marco Prisco foi exonerado da PM devido a greve de 2001, o presidente Lula concedeu anistia aos grevistas deste ano, porém o governo do Estado da Bahia não sancionou a lei que se arrola até o momento. Ver: ASSIS, João Carlos Santos de. REVOLTA EM FEIRA DE SANTANA: A greve da Polícia Militar da Bahia ocorrida em julho de 2001.  Feira da Santana, UEFS, 2011. (Monografia de conclusão de curso).
[11] Trecho da conversa entre os PMs. http://www.correio24horas.com.br Visto em 10/02/2012.

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