Festa de Sant'anna e o bando anunciador


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Diego Carvalho Corrêa[1]

Vinha o ano com seqüência das festas tradicionais. Festas que se repetiam normalmente. Santana comandava os primeiros dias do ano. Mês de Maria purificava a cidade, enchendo-a da pureza inefável de mística e leve poesia. (BOAVENTURA, Eurico Alves, 2006)
As origens da festa de Sant’ana na cidade de Feira de Santana remontam ao século XVIII, a santa padroeira da cidade, avó de Jesus Cristo, tem seu culto intensificado pela Igreja católica neste mesmo século. A festa em homenagem a santa ganha características especiais na cidade. Momento e espaço de lazer, culto, religiosidade e sociabilidade, torna-se durante a história de Feira de Santana a festa mais tradicional e esperada.

Oficialmente celebra-se no dia 26 de julho a festa de Sant’ana, porém ganharam força as comemorações em janeiro, pois julho era o mês de inverno e labuta na plantação desfavorecendo uma expressiva participação popular em louvor da santa segundo a Igreja.

Sete dias antes da realização dos festejos de Sant’ana, acontecia o bando anunciador. Este apregoava a aproximação da festa com bandos de gentes fantasiadas. Com zabumbas, chocalhos e instrumentos de sopro varavam a madrugada na cidade acordando as pessoas para lhes informar da vinda da festa da padroeira. Bandos tradicionais como o de olhos D’água e Rua Nova compunham musicas próprias para animar os festejos.
As brincadeiras sempre foram um espaço diversificado de pessoas, grupos de todas as classes, níveis sociais e intelectuais se misturavam, lugar de trabalho para muitos que ali levantavam suas barracas de bebidas, jogos e comidas típicas para obter algum lucro, ajudando assim a organizar a folia. Músicas populares, filarmônicas e muita irreverência nas fantasias vestidas pela população davam o tom das comemorações. Contava também com a presença de entrudos, capoeiras, maculelê, bumba meu boi e baianas. Lugar onde muitos fazendeiros e políticos da região se apresentavam bem vestidos, muitas vezes a cavalo e acompanhados de suas madames numa clara demonstração de poder e pompa.
Na década de 1940 ganha mais visibilidade o candomblé na cidade, o culto afro-brasileiro compreendia Sant’ana como Nanã, mãe de todos orixás.  Unindo-se à festa, o candomblé realizava seu culto na tradicional lavagem do adro da Igreja da matriz, rito de purificação que preparava o templo para os louvores da festa desde tempos da escravidão.
Além da lavagem do adro da matriz, realizava-se a levagem da lenha. Introduzida à festa, a levagem era o carrego, realizado pela população, de lenha para iluminar a festa, necessária em tempos onde a cidade não contava com energia elétrica. Nestes dois atos tradicionais apareciam também formas de protesto contra políticas de governo onde de forma sarcástica a população, em tempos de ditadura, rechaçava os políticos.
A partir da década de 1970 a festa se torna alvo de especulações políticas e religiosas e começam a soar vozes pedindo o seu fim ou modificações que diminuíssem os “excessos” da festa. Em 1987, sob pressão do movimento de Restauração Católica, o Bispo Diocesano Dom Silvério Albuquerque tomou sua decisão e extinguiu a parte profana no dia da festa de Sant’ana, sendo este o momento em o bando deixa de anunciar a festa, seguindo até atualidade apenas às comemorações sagradas da Igreja Católica.
As manifestações culturais representadas em toda a extensão das festividades de Sant’ana, como no bando, na lavagem Igreja levagem da lenha, eram compostas por distintas classes e cultos religiosos, não deixando, porém, de manifestar suas contradições. Os conflitos entre os grupos e diversas perspectivas sobre a festa levaram-na a seu fim como ato profano e popular. Em 2007 a Universidade Estadual de Feira de Santana, através do Centro de Cultura e Arte (CUCA), investiu na retomada do bando anunciador. Novos bandos surgiram como o bando de Lucas da Feira que já cria expectativas quanto à sua saída anual, e em 2009 a volta do maior de todos os bandos, o bando de Olhos D’água.
Revivendo as tradições que remontam à identidade da cidade, a cada ano a população que volta a sair no bando anunciador aumenta, consagrando a iniciativa de muitos que estão por retomar tradições que marcaram e marcam a cidade de Sant’ana.
Referencias Bibliográficas
BATISTA, Silvania Maria. Conflitos e Comunhão na festa da Padroeira em Feira de Santana. (1930-1950). Feira de Santana: UEFS, 1997. Monografia de Especialização. BOAVENTURA, Maria Eugenia. A paisagem Urbana e o Homem: memórias de Feira Santana. Feira de Santana: UEFS Editora, 2006.
BRITO, Alexsandro Bastos de. O Fim da Festa de Santana: um conflito no campo dos valores. Feira de Santana: UEFS, 2006. Monografia de Especialização.


[1] Mestrando em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Pesquisador do Laboratório de História e Memória da Esquerda e Lutas Sociais (Labelu). Diretor de Cultura do Município de Santa Bárbara.

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